_MEMÓRIAS DE UMA CAIPIRA_

_MEMÓRIAS DE UMA CAIPIRA_

Este espaço virtual, criado em 2008, é fruto de minhas andanças e incursões pelo ofício etnográfico na Ilha de Cananéia, no Vale do Ribeira, Estado de São Paulo, onde pretendo deixar minhas impressões como caminhante, ou tal como diria Helena P. Blavatsky, Lanu.

E no cais se fez história...

E no cais se fez história...
Das memórias imemoráveis dos moradores mais antigos, perpassando por suas bocas seus "causos", saberes e sabores desta ilha, esta caipira mantêm os olhos abertos e a mente relativizadora para fazer-se instrumento de captura dessas histórias de degredados, índias, sereias e sacis que cruzam esta Mata Atlântica e este estuário. Seja bem-vindo a este espaço onde os mitos e lendas que compõem a oralidade caiçara criam e recriam com seus "causos" que se espalharam para além mar. Prepare-se para encontrar tesouros perdidos, passagens secretas, pois a viagem ao imaginário do ilhéu acabou de começar... _Créditos Fotográficos Bianca Lanu_

1 de agosto de 2010

O dianho é tentador


Por Benedito Machado, filósofo e escritor

Nhô Florêncio se aproximou e me cumprimentou, com um toque da mão no chapéu de palha:

- Professô, quiria uma ajudazinha!

- Fala, Florêncio. Mas que diabo de porrete é esse?

- Jacatirão. Tive uma ajuda milagrosa do Bom Jisus e vou levá este pau pra deixá na Sala dos Milagres. Mas tem também a história, que vai junto, intão priciso de sua ajuda, porque não tenho iscrita prá isso.

- Não fale bobagem, Florêncio, o Santo não exige gramática, mas sinceridade. Deixa ver.

Ele me estendeu uma folha de caderno escolar, meio amassada, onde estava seu relato, numa caligrafia sofrida, que denunciava esforço e capricho. O relato (transcrito abaixo) agora faz parte dos ex-votos, depositados na Sala de Milagres da Basílica:

“Acriditem no que digo: não sêsse o Bom Jisus este mundão tava perdido. Porque o dianho anda solerte, cavando um jeito de destemperá nossa vida. Maginem que eu tinha me acoitado debaxo dum pé de jacatirão, por conta da guascada de chuva que me pegô de supetão, no meio do mato, quando vi um remoinho se achegando, de com força, arripiando as pranta, desvirando os graveto e dando um contorno adonde eu tava, pra decerto me acertá pelos fundo. Nessa artura, sabendo das artimanha do demo, que eu não sô apocado da cabeça, sartei de donde tava, gritando pelo Bom Jisus, que sempre foi meu protetô. No que eu sartei e gritei, um fuzir iluminô tudo, por chamado do malino, e se pregô em riba da arve, bem no lugá que eu tava, rebentando um gaio, que ia direto no meu cangote, se eu não me ispertasse e não chamasse o Sarvadô. Corri dali, que não se espera nada de certo do coisa ruim, mas memo com o sunsurro da chuva deu pra uvi o rincho daquela risada desmesurada, que o fite dá pra assustá a gente. Cheguei no rancho e pidi pra todo mundo garrá a rezá reza pesada, pra afastá de nóis o molesto do coisa ruim. Assim me sarvei e por isso truxe um pedaço do jacatirão, prá dexá na Sala de Milagre do Santo, junto com a minha história, em honra e pagamento da graça arricibida”.



Imagem extraída de:


http://blog.cancaonova.com/tvsp/2009/08/05/festa-de-bom-jesus-de-iguape/


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