_MEMÓRIAS DE UMA CAIPIRA_

_MEMÓRIAS DE UMA CAIPIRA_

Este espaço virtual, criado em 2008, é fruto de minhas andanças e incursões pelo ofício etnográfico na Ilha de Cananéia, no Vale do Ribeira, Estado de São Paulo, onde pretendo deixar minhas impressões como caminhante, ou tal como diria Helena P. Blavatsky, Lanu.

E no cais se fez história...

E no cais se fez história...
Das memórias imemoráveis dos moradores mais antigos, perpassando por suas bocas seus "causos", saberes e sabores desta ilha, esta caipira mantêm os olhos abertos e a mente relativizadora para fazer-se instrumento de captura dessas histórias de degredados, índias, sereias e sacis que cruzam esta Mata Atlântica e este estuário. Seja bem-vindo a este espaço onde os mitos e lendas que compõem a oralidade caiçara criam e recriam com seus "causos" que se espalharam para além mar. Prepare-se para encontrar tesouros perdidos, passagens secretas, pois a viagem ao imaginário do ilhéu acabou de começar... _Créditos Fotográficos Bianca Lanu_

19 de fevereiro de 2010

Caipira fala bonito


Por Lucas Puntel Carrasco, extraído de Almanaque Brasil, com ilustrações de Laura Andreato


Mistura de português arcaico com castelhano, línguas africanas, tupi-guarani e fonemas criados no meio rural, o dialeto caipira é uma forma de manter vivo um jeito de viver que está sumindo. Mesmo sem saber, e às vezes até envergonhado, o caipirês é uma forma de resistência da tradição. O sotaque do caboclo, seu chapéu de palha ou as mentiras que conta pra impressionar ganharam o nome bonito de Patrimônio Cultural Imaterial.

Articulando palavras abreviadas, reduzidas pela metade, sem concordância no plural, com pronúncia diferente do padrão formal, esse jeito de falar está longe de ser errado.

O parâmetro do certo sempre foi a cultura erudita, mas o costume popular e tradicional também tem seu espaço. Afinal, esse sotaque carregado expressa todo um modo de ser.


Glossário da Roça


Algumas palavras e expressões do povo do campo

bacuri: criança recém-nascida

bestagem: bobagem

caboco: pessoa muito simples

campiá: procurar

dasveis: às vezes

de banda: de lado

escangaiado: destruído

estórva: atrapalha

gaitada: risada estridente

meia-pataca: insignificante

módequê?: qual a razão?

nhô: tratamento respeitoso de senhor

orná: combinar

pé de boi: pessoa decidida, muito trabalhadora

questã: briga jurídica; pergunta

réiva: raiva

suzim: sozinho

táio: talho; corte

tôco: pessoa muito rude; pedaço pequeno de um tronco

xicra: xícara

zambeta: que tem a perna torta

zarôio: caolho

zóio: olho

zorêia: orelha

zunhada: unhada, arranhar com as unhas


Extraído de Pequeno Dicionário de Caipirês, de Antônio Carlos Affonso dos Santos
(Nativa, 2001).


O caboclo é bom de enxada

Por Lucas Puntel Carrasco, extraído de Almanaque Brasil, com ilustrações de Laura Andreato


“Entre as raças de variado matiz, uma existe a vegetar de cócoras, incapaz da evolução. Feia e sorna, nada a põe de pé.” Jeca Tatu, de Monteiro Lobato, um caipira dito atrasado e cheio de vadiagem, resolveu garrar na enxada, cuspir na palma da mão e vir espiar o que andam espalhando a respeito da sua pessoa por aí. O caipira é do jeito que é, assim meio quietão, e tem lá suas razões. O sociólogo José de Souza Martins rebate as palavras de Lobato: “O caipira preguiçoso estereotipado contrasta radicalmente com a profunda valorização do trabalho entre as populações caipiras do Alto Paraíba, nas vizinhanças da mesma região montanhosa em que Lobato trabalhou”. Ou seja, quem enxerga o caipira como quem não tem o que fazer deve estar é ruim das vistas. Nunca vi, que nem o sitiante, sujeito tão ligeiro pra carpir uma roça e cuidar dos bichos, nem tão disposto a ajudar a vizinhança num mutirão pra colheita. Cheio de honra na sua palavra, o Jeca recebe de bom grado a mesma ajuda que, a troco de serviço, retribui no sítio dos parceiros. Porque na roça é tudo assim: trabalho é o que não falta e o que se recebe é pra Deus.

Aventureiros sem bandeira

Nada de vadiagem pra quem abriu esse Brasil na enxada e na coragem. O professor Antonio Candido explica melhor: “Da formação histórica de São Paulo resultou uma sociedade cujo tipo humano ideal foi o aventureiro, [...] irmanando-se na vida precária imposta pela mobilidade [...] que deixou no caipira certa mentalidade
de acampamento”. Na beira dos desbravadores do tempo das Bandeiras, o lavrador desbandeirizado foi ficando pelas veredas, capengando no ócio. Marginalizados, se tornariam agregados dos afazendados na cana, fincando pé como sitiantes nas roças de toco, cuidando só do de comer e lavrando assim a raiz da cultura caipira.

"Cada toada representa uma saudade"


Por Lucas Puntel Carrasco, extraído de Almanaque Brasil, com ilustrações de Laura Andreato


Caipira gosta é de pegar o caminho da roça, picar a mula e queimar o chão depois da faina, ao fim do dia. Chega no rancho, janta sua farinha com feijão e arroz, que vai bem com qualquer mistura, emborca pinga no caneco e agarra desfiar as mágoas no dorso do pinho. Não é à toa que seja costume chamar de cebolão uma das afinações do instrumento de 10 cordas: de tão bonito, o cebolão arranca o choro de quem ouve a sua toada.

Violeiro bão pra diacho, Ivan Vilela diz que o sujeito passa metade da vida tentando afinar a viola, e a outra metade tocando desafinado. É causo que na certa lhe contou um caipira de velho corte, daquele que Benze os muriquinhos com galhinho de arruda e acredita em assombração da mata. Pois foi numa dessas prosas de luar alto que se campeou rio abaixo uma moda sobre o baruião que a passarada rebenta cantar de madrugada.

O motivo dessa cantoria toda é simples que nem picar fumo em palha de milho. Quando a moda versa sobre passarinho assobiando no galho, o sujeito quer mesmo é se gabar de sua liberdade cabocla. Agora, se na primeira voz o mote tem boiada deitando pasto, capricha uma terça acima, porque é o vaivém do caipira sertão adentro o assunto dessa pauta. Ô se é!


É tudo caipira memô, uia


Aqui tem caiçara e tem caipira, tem sim Senhor!


Por Lucas Puntel Carrasco,
extraído de Almanaque Brasil com ilustrações de Laura Andreato

_junho de 2008_


“Ô de casa! Se a roça render viçosa pro mutirão que ajudar a colheita, então a Folia do Divino vai ter bastante fartura esse ano.” Assim começa o mês de junho pro caipira. Filho do interior, herdeiro da sabedoria indígena, do labor imigrante e de superstições africanas, esse caboclo da terra aparenta pouca vaidade, mas tem um punhado de causo pra contar a quem quiser acreditar. Se achega então pra uma conversa ao pé do fogo. O bule de café tá em riba do fogão de lenha estalando na varanda do sítio. Vamo chegando!

Ó só…Não é de qualquer toco no chão que brota o jeito caipira de ser. Precisa fazer coivara, queimar a terra e rezar pras águas caírem. Só então, com seis dias de trabalho no risco, a cultura em apreço vem saída ao sol. Pragas e ervas daninhas fofam terra mais cansada. Isso também carpimos neste Especial Caipira. No mês do caboclo, já arregalando na folhinha em 24 de junho, este Almanaque resolveu contar pra vosmecês uns causos cheios de sotaque típico do interior paulista, e mineiro, e matogrossense…

Nascido em uma cultura marginalizada já na origem – “do entrechoque do invasor português com índios silvícolas e negros africanos”, para Darcy Ribeiro –, e além de tudo meio capenga pelo andar da carruagem, o modo de vida rústico do caipira resiste como Deus permite. Mas, como o “Hómi” é bão, ele dá muita sabedoria pra quem vive no mato, perto das plantinhas, e por isso diz-se que diz-se que o caipira guarda no quintal um chazinho pra cada tristeza, não é mesmo? Pois só de olhar pro céu o sujeito já sabe te dizer quando vai pingar chuva na flor do cafezal. Tá com piolho, nêgo? Esfrega bem no cocoruto chá de erva-doce com vinagre, que é uma belezura pra matar bicho… E não pensa que assombração da mata é só mentiraiada que inventam lá na roça pra impressionar, não. Ocê quer ver outra coisa? Então senta aí que vai ouvir por que o caboclo risca naquele pinho tanta moda sobre passarinho.

Quando chega junho, ê vem a Folia do Divino, ê vem os fogos de São João, ê povo animado. Quanta festança, sô! Balancê, anarriê, caminho da roça…


10 de fevereiro de 2010

Passo a narrar...

Bianca Lanu


O olhar, o ouvir e o escrever durante o processo empírico configuram-se em questões epistemológicas que condicionam a investigação antropológica, assim esses atos cognitivos de natureza epistêmica logram o saber dessa disciplina da área das Ciências Sociais e Humanas.


Ao passo que o olhar e o ouvir partem da percepção, o escrever está associado ao pensamento, cujo discurso criativo delineia a produção em Antropologia.


O sentido e a significação dos dados colhidos no trabalho-de-campo (fieldwork) são obtidos pelas explicações fornecidas pelos próprios membros da comunidade pesquisada, através da vivência entre eles e de entrevistas realizadas onde o ouvir tem um lado todo especial, desta forma, saber ouvir através de uma conduta relativizadora é de suma importância.


A observação participante, nesta medida, aprofunda as análises etnográficas onde o informante deve ser o interlocutor, bem distinto daqueles descritos por Bronislaw Malinowski, cuja relação não-dialógica permeava tais pesquisas de uma Antropologia iniciante.


Compreender o Outro através de sua ótica, não por nosso olhar com suas formas pré-estabelecidas eis a relativização antropológica.


O trabalho-de-campo, a partir destas considerações, é a experiência subjetiva de cada pesquisador, sendo que a necessidade de pensar na relação entre antropólogo e grupo pesquisado tem sido uma preocupação recente na Antropologia e questionar essa relação é o ponto chave para a construção de etnografias, conceitos e teorias antropológicas.


Nesta medida, a história individual do pesquisador versus o olhar sob o objeto estudado é à base dessa disciplina onde o “Como conhecer?” e “Para que conhecer?” se estruturam em um espaço para discussão constituinte do próprio campo da Antropologia, onde os diários de campo relatam as ambigüidades, angústias e sofrimentos do antropólogo frente ao Outro.


Mergulhar na subjetividade diante do Outro lhe remete ao pressuposto filosófico do “Quem sou eu mesmo?”, “O que significa minha própria cultura?”, “Quem é o selvagem e o civilizado?”, havendo um deslocamento permanente entre a própria identidade, o Eu, e os Outros, redefinindo a própria identidade de mulher, pesquisadora, e não apenas de “cientista neutro e assexuado”, imaginário social existente a respeito da antropóloga viajando sozinha, longe de seus pares e de seu cotidiano.


Nesta perspectiva, cada caminho reflete a forma individual e subjetiva do encontro de si mesmo a partir do encontro com o outro!


O estudo meticuloso dos povos e suas peculiaridades representam uma imensa contribuição ao conhecimento da diversidade sócio-cultural humana, sendo somente após a Segunda Guerra Mundial que se tornaram comuns estudos antropológicos de sociedades modernas.


Portanto, o ofício do antropólogo ou “como ter Anthropological Blues”, parafraseando Roberto DaMatta, requer uma Ciência que passa não só pelos sentidos, mas por um devir constante onde a escolha do informante requer alguém competente em descrever verbalmente seus arredores, sua cultura e a si mesmo, estabelecendo uma simpatia mútua entre etnógrafo e nativo, que são apreendidas e reveladas através da experiência de dar voz àquele que representa seu tempo, seu lugar e seu povo.


_Foto do Coletivo Jovem Caiçara tirada no bairro rural de Santa Maria, em Cananéia/SP, durante a execução do Projeto "Saberes Caiçaras," em 2007, apoiado pelo Programa de Ação Cultural (PAC) da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo.

9 de fevereiro de 2010

Uma história do povo e das águas


Por André Ribeiro Murtinho Chaves & Mayra Jankowsky *


Reza a lenda, certa noite de lua cheia, um pescador no rio Ribeira, próximo à imensidão do mar, escutou um barulho estranho, mas que não era o peixe cantando... Sentado em sua canoa prestou atenção e para sua surpresa eram as águas falando. E era uma história muito antiga:


“Muitas águas se passaram nesse rio: são nossos ancestrais aos quais somos muito ligados, desde lá de cima, onde nascemos, até aqui onde nos misturamos com nossos salgados irmãos. Mas um rio de tamanha importância e que damos vida, temos por obrigação conhecer sua história. Porque sua historia não é sozinha, ela conta muitas histórias. Desde que o rio existe, nós, as águas, vimos muitos tipos de peixes, de plantas, de bichos e, recentemente, até de gente.”


O pescador prestou atenção, pois nessa hora, a história a ser contada era dos povos que viveram ao longo do rio:


“Já vimos gente de muitos tipos e durante muitos séculos essa gente toda foi mudando, mas viviam sempre junto do rio, pescando e plantando. Diferente de agora. Agora ainda tem gente que mora junto do rio, e como antes, caça, planta e pesca, mas tem quem faz diferente. O povo mais antigo, planta mandioca, banana, milho, mexerica, feijão, arroz, cana e outras coisas. Ainda pescam e caçam. Cresceram junto do rio e da mata. Até começaram a plantar diferente, juntando a floresta com a comida deles, que hoje eles chamam de agrofloresta.


Já quem mora distante (e não sofrerá as conseqüências), vive de outras coisas, mas ainda vem usar o rio. De início, só usavam a água em umas plantações muito estranhas, plantações de uma coisa só que muitas vezes não são nem para eles comerem. É pinus, é eucalipto, é banana... Para plantar muito de uma coisa só, eles abrem estradas e chegam até a beira do rio. Com isso a água da chuva que devia ir para a terra e depois encontrar com as águas do rio acaba indo muito rápido para o rio. Só que nessa época, o rio já tem bastante água por causa da chuva. Mas em tempo que não chove são as águas da terra que deveriam passar para o rio, mas a terra já não tem mais água e o rio vai secando... Então, esse povo que se criou junto com rio vai se perdendo...


Ainda agora, nos últimos vinte anos, pensaram em fazer uma outra coisa diferente, parar as águas do rio para tirar força das águas que passam descendo. E nem é para o povo deste rio... esta energia vai para bem longe! É a barragem da Usina Hidrelétrica de Tijuco Alto. Vai ter água - muitos irmãos nossos - que ficará presa por muito tempo, no meio da podridão, e só uma parte vai poder continuar livre, sendo rio. E todo mundo vai sentir falta dessa água livre e pura: as plantas, os animais e o povo que vive do rio. As pessoas, que diferente dos outros animais e plantas, sabem falar, não são bobos nem nada, há alguns anos gritam que não querem essa tal hidrelétrica. Gritam, usando a ciência dos homens, que não vão mais ter roça, que não vão mais ter peixe, e pior: que toda sua história e seu saber vão se perder e, assim como as águas limpas, vão ficar parados, enfraquecer e talvez sumir.


É o que está acontecendo com os peixes e os povos que vivem lá no mangue, um povo caboclo chamado caiçara, que planta e que pesca, do morro até a praia. Este povo vive da pesca da manjuba, um peixe pequeno e saboroso, pescado há muitos e muitos anos e que sustenta milhares de caiçaras. Este sustento pode ter fim, já que nós, as águas do Ribeira, podemos chegar cada vez menos para este peixe e para o povo. E este povo que sempre cuidou para este sustento não acabar... E agora vem os homens ricos deste país e querem acabar com esta história de vida, estancar nossos irmãos e trazer a morte.


O mais estranho é que outros homens, desse mesmo povo, que nem vivem aqui, vão decidir o futuro do rio. Dá medo, porque já escutamos as águas de outros rios, contando sua triste história, de muitas barragens e pouca água, de muita energia e pouca comida, de muita promessa e pouca oportunidade, até o povo do rio ir embora.


Na cultura destes homens (que eu não entendo), riqueza é juntar todo o dinheiro do mundo na mão de poucas pessoas. Eles dizem que assim, vão melhorar tudo, mas vejo que o caiçara (que cuida melhor das águas) já sabe o que querem estes homens: eles querem mandar na água e na terra, tirar tudo o que puderem e vender para fora, pros estrangeiros. Para isto, já estão querendo fazer mais um porto lá em Piaçaguera, também em cima de nossa terra e do sofrido povo guarani... E isto também não é lenda, como a voz dessas águas. Isto é uma outra e triste história...”



* André M. R. Chaves é Biólogo, Mestre em Ecologia e Educador da Rede Pública Estadual de Ensino, em Cananéia/SP; Mayra J. também é Bióloga e Mestre em Etnoconhecimento.


Foto de Fernando Oliveira.


Fluxos

Terra Sim, Barragens Não!

Terra para Plantar e Não para Alagar!

Terra para Vida e Não para a Morte!

RIBEIRA LIVRE!!!


2 de fevereiro de 2010

Livro "Histórias e Lendas Caiçaras de Cananéia"

Cananéia, o primeiro povoado do Brasil

Este primeiro povoado brasileiro, que em 1502 já tinha degredados da Coroa Imperial Portuguesa habitando esses lagamares, fruto da miscigenação entre as etnias indígenas, européias e africanas, é permeado por “causos” contados até hoje pelos moradores tradicionais, repletos de aventuras, descobertas, batalhas entre nativos e piratas, navios afundados e seres míticos, recriando fatos históricos e folclóricos repassados a novas gerações, que caracteriza seu povo, sua cultura, seus saberes e sabores!

Em 2009, compilei algumas dessas lendas e histórias contadas em um livro voltado ao público infantojuvenil, iniciativa apoiada pela Secretaria de Estado da Cultura do Governo do Estado de São Paulo, pelo Programa de Ação Cultural (ProAC), em seu Edital Promoção da Continuidade das Culturas Tradicionais, em parceria com a Cooperativa Cultural Brasileira (CCB).

O livro "Histórias e Lendas Caiçaras de Cananéia", organizado por Bianca Cruz Magdalena e ilustrado em aquarela pelo artista plástico Felipe Augusto, pode ser adquirido através do correio eletrônico: lunabianka@yahoo.com.br. Entrem em contato!

Abaixo seguem suas histórias narradas!

Boa leitura!



Bianca Lanu

ÁRVORE DO CORAÇÃO DE PEDRA

“(...) todas as pessoas moravam antigamente na Ilha do Cardoso, que hoje é o Parque Estadual, e foi exatamente por isso que todos vieram morar no Morro São João (primeiro bairro a ser habitado), eles começaram a proteger o lugar, dizendo não mate a caça não faça isso, não faça aquilo, querendo transformar o lugar no que é hoje.

E foi assim, depois das pessoas se mudarem para o Morro, a pesca foi se desenvolvendo, os pescadores foram se ajeitando para ter bastante peixe para eles sobreviverem.

Também tem a história que ficava muito longe para eles buscarem água no Morro, assim depois eles fizeram um chafariz para facilitar a vida deles, passou um tempo e caiu uma semente que nasceu uma árvore em cima, que hoje chamamos de Árvore do Coração de Pedra, dizem que ali foi enterrado ouro que veio lá do Bom Abrigo, mas isso diz a lenda.”


_Tatiane Xavier, estudante da rede estadual de ensino de Cananéia_


* Desenho em nanquim de Felipe Augusto.

MENTIRA DE PESCADOR


Eu vou contar uma história que um amigo me contou

Mas não digam que é mentira da boca de pescador

Dois pescador que pescavam e do susto que eles levo

Dois pescador que pescavam na cabeceira de um rio

Meia-noite mais ou menos ouviram um assobio

Um assobio tão feio igual esse nunca vi

Isto é coisa doutro mundo, esse è o bicho saci

Falei pra meu companheiro “Vamo fazê a cruz com remo”

E sentemo na canoa, de joelho nós fiquemo

Cruzemo a mão para o céu e o Credo em Cruz nós rezemo

Rezemos o Credo em Cruz depois também se benzemo

Chamei por Nossa Senhora o bicho saci foi embora

O rio abaixo nós descemo.


_Armando Teixeira, compositor e tocador de fandango_


* in memorian


Foto de Bianca Lanu, inverno de 2008.

SEREIA


Entre as ilhas Comprida, Cananéia e Cardoso habitava uma sereia de longas madeixas douradas. Em uma noite enluarada, na Baía de Trapandé, depois do costão rochoso do Morro São João a sereia surgiu de dentro do mar e deparando-se com um pescador que navegava naquelas águas pediu-lhe um pente e uma fita.

Para fazer o desejo da sereia o pescador partiu em sua canoa rumo à Cananéia, mas antes de buscar o que lhe foi pedido passou na casa de um amigo para contar que havia visto uma sereia de corpo de ouro, sendo assim foi aconselhado a levar uma espingarda e enriquecer com tamanha sorte encontrada.

Partiram os dois rumo ao costão e quando encontraram a sereia um dos pescadores mirou e puxou o gatilho na formosa mulher com corpo de peixe, essa por sua vez apenas disse antes de desaparecer: “Acabou-se Cananéia!”.

Desta forma, uma das explicações populares pela região não ter se desenvolvido, principalmente economicamente, é por conta dessa maldição da sereia encantada!


_Bianca Cruz Magdalena, cientista social e educadora_


*Desenho de Vera Lucia F. pintado em tela com técnica mista sobre tela.