Por Lucas Puntel Carrasco, extraído de
Almanaque Brasil, com ilustrações de Laura Andreato
“Entre as raças de variado matiz, uma existe a vegetar de cócoras, incapaz da evolução. Feia e sorna, nada a põe de pé.” Jeca Tatu, de Monteiro Lobato, um caipira dito atrasado e cheio de vadiagem, resolveu garrar na enxada, cuspir na palma da mão e vir espiar o que andam espalhando a respeito da sua pessoa por aí. O caipira é do jeito que é, assim meio quietão, e tem lá suas razões. O sociólogo José de Souza Martins rebate as palavras de Lobato: “O caipira preguiçoso estereotipado contrasta radicalmente com a profunda valorização do trabalho entre as populações caipiras do Alto Paraíba, nas vizinhanças da mesma região montanhosa em que Lobato trabalhou”. Ou seja, quem enxerga o caipira como quem não tem o que fazer deve estar é ruim das vistas. Nunca vi, que nem o sitiante, sujeito tão ligeiro pra carpir uma roça e cuidar dos bichos, nem tão disposto a ajudar a vizinhança num mutirão pra colheita. Cheio de honra na sua palavra, o Jeca recebe de bom grado a mesma ajuda que, a troco de serviço, retribui no sítio dos parceiros. Porque na roça é tudo assim: trabalho é o que não falta e o que se recebe é pra Deus.
Aventureiros sem bandeira
Nada de vadiagem pra quem abriu esse Brasil na enxada e na coragem. O professor Antonio Candido explica melhor: “Da formação histórica de São Paulo resultou uma sociedade cujo tipo humano ideal foi o aventureiro, [...] irmanando-se na vida precária imposta pela mobilidade [...] que deixou no caipira certa mentalidade
de acampamento”. Na beira dos desbravadores do tempo das Bandeiras, o lavrador desbandeirizado foi ficando pelas veredas, capengando no ócio. Marginalizados, se tornariam agregados dos afazendados na cana, fincando pé como sitiantes nas roças de toco, cuidando só do de comer e lavrando assim a raiz da cultura caipira.
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